quinta-feira, 22 de março de 2012

Sexo e vergonha

Os que consideramos maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente

IMAGINE ALGUÉM que acaba sua noite com um sexo rápido e intenso, em pé, embaixo de uma ponte, e eis que, uma vez em casa, ele entra na internet e transa virtualmente com uma stripper de site on-line.

Não há gozo que lhe baste: sempre sobra a vontade de mais uma vez, mesmo que seja se masturbando com esforço. Outra noite, depois de ter brincado pesado com uma moça num bar, ele se pega com um cara no labirinto de uma boate gay: na procura por mais sexo, vale tudo.

Mas cada rosa tem seus espinhos. O disco rígido do nosso jovem está repleto de pornografia, até no computador do escritório -o que é arriscado. E, sobretudo, ele está aflito: a vergonha o leva a jogar fora (periodicamente) os apetrechos de sua sexualidade fantasiosa, e ele sente culpa de não conseguir ser o irmão, o amigo -e, quem sabe, o namorado- que ele talvez gostasse de ser.

Se esse alguém pedir ajuda a um terapeuta, alguns colegas tirarão da manga o "diagnóstico" de sexo-dependência ("sexual addiction") e proporão o programa em 12 passos (ensinado nas especializações em sexo-dependência), para que o indivíduo aprenda a se controlar e a renunciar, ao menos em parte, ao sexo, que teria se tornado, para ele, uma espécie de droga.

Mesmo sem acreditar nos 12 passos, outros colegas concordarão com o diagnóstico e simpatizarão com o "óbvio" sofrimento do "sexo-dependente" -afinal, eles imaginarão, essa prática endemoniada do sexo "deve", no mínimo, aviltar o indivíduo aos seus próprios olhos.

Outros colegas ainda (e eu com eles), ao receber o pedido de ajuda de um suposto sexo-dependente, reagiriam de maneira diferente: não se preocupariam nem com as fantasias, nem com as práticas sexuais do paciente, mas com a culpa e a vergonha que as acompanham.

Eu também anunciaria ao paciente que não sei (ninguém sabe) disciplinar o desejo sexual; só posso, se ele quiser, tentar disciplinar a culpa e a vergonha que azucrinam sua vida e estragam seus prazeres.

Quem viu "Shame" (vergonha), de Steve McQueen, percebeu que nosso paciente hipotético se parece com o protagonista do filme.

Em cartaz desde sexta passada, "Shame" é, ao mesmo tempo, ousado e careta. Ousado, pelo retrato da procura sexual do protagonista (muitos, sem dúvida, se reconhecerão), e careta, porque essa procura parece ser necessariamente doentia, culpada e vergonhosa.

Concordo com Cássio Starling ("Ilustrada" de 16/3): o filme é ótimo, mas discordo do destaque do artigo, segundo o qual "McQueen foge do moralismo ao abordar a compulsão por sexo". Quem enxerga o desejo sexual do outro como uma patologia é sempre moralista. Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar (conselho: fuja de parceiros que acham você "doente").

McQueen (na mesma "Ilustrada") declarou que o negócio dele é desafiar as pessoas. Ora, apresentar um obcecado por sexo como um doente que sofre de vergonha e culpa, isso não é desafio algum -ao contrário, é a confirmação de um lugar-comum.

Um lugar-comum confirmado por psiquiatria e psicologia? Nem isso.

Certo, desde o século retrasado, a psiquiatria e a psicologia são regularmente chamadas a substituir a religião, que (digamos assim) cansou de ser a grande ordenadora e controladora do comportamento humano. No caso, a ideia da "sexo-dependência" surgiu nos anos 1970 -provavelmente, como reação contra o interesse "excessivo" pelo sexo durante a dita liberação sexual dos anos 1960.

Mas, sentindo talvez o bafo do moralismo, muitos psiquiatras e a psicólogos receberam essa categoria diagnóstica com desconfiança. Quem a adotou e promoveu foram a imprensa e o grande público (e isso bastou para que surgisse uma pequena indústria de clínicas, programas universitários etc.). Mas por quê, então, esse sucesso popular da "sexo-dependência", na qual McQueen parece acreditar?

Apenas uma constatação: a associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social.

Além disso, há a eterna inveja dos reprimidos: como dizia Alfred Kinsey, em regra, os que consideramos doentes e maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente.

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"Cine Camaleão - A Boca do Lixo" homenagea cineastas paulistanos dos anos 1960

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
É teatro ou cinema? A pergunta é o bordão irônico de "Cine Camaleão - A Boca do Lixo", do grupo Pessoal do Faroeste, que combina cenas ao vivo e filmadas para homenagear cineastas paulistanos dos anos 1960. O espetáculo contagia pelo bom humor.

Com a montagem, o diretor da Faroeste e dramaturgo Paulo Faria prossegue no projeto de resgatar histórias de São Paulo a partir de marcas do passado. Ocupa espaço na rua do Triunfo, em Santa Ifigênia, onde conviveram produtores do cinema marginal e de pornochanchadas.

Na trama rocambolesca de Faria, um diretor que ficara famoso com o estilo "faroeste feijoada", mas sobrevivia com a pornografia branda, aceita o convite de uma cantora pop para fazer um filme de sexo explícito.

Em subtrama, uma delegada do vizinho Dops (Departamento de Ordem Política e Social), que é atriz nas horas vagas, investiga o envolvimento da mulher do cineasta com um terrorista procurado.

As narrativas vão se cruzando com idas e vindas, em meio a uma cenografia repleta de ícones do brega.

Nas cenas ao vivo, o registro é de chanchada, mas com toque de distanciamento épico e cadência de musical, ainda que se cante pouco.

Esse tom cômico contrasta com o realismo do filme em paralelo, em que se desenvolve o roteiro de um faroeste urbano, baseado em crime de fato ocorrido na cidade. Aos poucos, os dois planos, mesmo em registros contrastados, se mesclam e cativam.

A surpresa é o desempenho de Mel Lisboa como Vanda Scarlatti, a cantora pop que quer explicitar suas partes íntimas nas telas. Segura e convincente, enfrenta com garra uma personagem quase alegórica e lhe dá contornos poéticos.

Roberto Leite (o cineasta Tony Reis) também se destaca em um elenco homogêneo, que se mantém entre a fé cênica e o deboche.

Em seu 15º ano de vida, a companhia Pessoal do Faroeste acerta a mão, concilia pesquisa séria e boa diversão e dá luz às trevas dos viciados em crack que perambulam em seu entorno.

CINE CAMALEÃO - A BOCA DO LIXO
QUANDO dom. e seg., às 19h, e sáb., às 21h; até 1º/4
ONDE Luz do Faroeste (r. do Triunfo, 301, tel. 0/xx/11/3362-883)
QUANTO contribuição voluntária
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO bom

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