domingo, 6 de maio de 2012

Ex-agente que agora admite crimes na ditadura tem longa ficha policial

Ex-delegado do Dops diz ter incinerado corpos de esquerdistas e protagonizado episódios lendários

Guerra afirma que atuou em casos como a chacina da Lapa e o Riocentro, mas seu nome não consta da crônica do período

BERNARDO MELLO FRANCO
ENVIADO ESPECIAL A VITÓRIA

Facínora, recuperado, farsante, corajoso, vilão da ditadura, herói da Comissão da Verdade.

Nos últimos dias, todas essas expressões foram usadas para descrever à Folha Cláudio Guerra, ex-delegado do Dops que afirmou, em livro, ter matado e incinerado corpos de presos políticos no regime militar (1964-1985).

Ignorado pela crônica do período, ele agora se apresenta como protagonista de episódios lendários como a Chacina da Lapa - morte de três dirigentes do PC do B no bairro paulistano, em 1976-, a morte do delegado Sérgio Fleury -um dos principais nomes da repressão-e o atentado do Riocentro, realizado pela linha dura do regime em 1981.

O lançamento deu visibilidade nacional a um personagem que, no Espírito Santo, já é associado ao crime organizado e aos grupos de extermínio desde o fim dos anos 70.

"O nome dele impõe temor em todo o Estado", diz o procurador de Justiça Sócrates de Souza. "Durante muitos anos, ele esteve envolvido com quase todas as mortes violentas na sociedade capixaba."

Condenado a 42 anos de prisão por um atentado a bomba quando disputava o controle do bicho em Vitória, ele também é acusado de diversos assassinatos, inclusive o da ex-mulher e da cunhada, torturas, associação para o tráfico e outros crimes.

Sinônimo de barra-pesada, voltou a ser citado pela mídia local há três meses sob suspeita de colaborar com o desvio de R$ 6 milhões em dízimos recolhidos pela Assembleia de Deus em Serra (ES), onde atuava como integrante do conselho fiscal.

Por causa da ficha corrida, a cúpula da igreja no Estado se recusa a nomeá-lo pastor, o que não o impede de liderar cultos e se apresentar como exemplo de recuperação em templos no entorno de Vitória.

Ele ainda mantém um site onde se outorga o título negado pelos superiores e aparece em fotos de terno e gravata, como um pregador televisivo.

"O Cláudio é um milagre de Jesus. Ele era um monstro e virou um cordeiro, um pombo da paz", diz o pastor Délio Nascimento, que também é acusado de desviar dinheiro dos fiéis, o que ele nega.

Guerra passou os últimos anos preso em regime semi-aberto numa casa de repouso em Vila Velha (ES).

Agora está escondido com autorização judicial, após dizer ter sido alvo de ameaças de um militar que citou no livro.

Apesar da repercussão na imprensa, "Memórias de uma Guerra Suja" (Topbooks) foi recebido com ceticismo por alguns pesquisadores e parentes de vítimas da ditadura.

Victoria Grabois, dirigente do grupo Tortura Nunca Mais no Rio, estranhou que alguém que diz ter sido tão importante tenha permanecido incógnito por décadas.

007

O ex-delegado nunca apareceu nas listas de torturadores divulgadas há mais de 30 anos, e ao menos dois oficiais que ele citou como cúmplices disseram que não o conhecem.

Um alto funcionário do governo federal que atua na área de anistia política afirma que é comum ex-agentes exagerarem relatos.

A suspeita é agravada por trechos espetaculares do livro, como a suposta participação num atentado em Angola que explodiu uma rádio e matou integrantes do regime comunista em 1977.

A missão secreta teria decolado do subúrbio do Rio num Hércules da FAB (Força Aérea Brasileira).

Em outra passagem, o ex-delegado diz ter sido íntimo de um representante da CIA, cubano naturalizado americano, responsável pelo contrabando de armas para os militares brasileiros.

Segundo o relato, o agente um dia tentou matá-lo, mas ele se salvou numa cena de 007.

"A desconfiança é bem-vinda. Mas nós checamos todas as informações e confiamos no que ele contou", diz o jornalista Rogério Medeiros, que assina o livro-depoimento com Marcelo Netto.

O deputado estadual Adriano Diogo (PT), que preside a Comissão da Verdade paulista, afirma que o testemunho pode ser útil. "Ele pode não ter sido um cinco-estrelas como está se vendendo. Mas se 1% do que diz for verdade, já é relevante."

De acordo com o Tribunal de Justiça do Espirito Santo, Guerra pode se livrar da pena em 2015, graças à idade avançada. O procurador Souza é contra o benefício.

"Ele não é um criminoso comum. Se fez tudo isso no passado, pode voltar a fazer."

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Ação ambiental será inútil se população continuar crescendo

Biólogo britânico ganhador do nobel diz que países emergentes precisam reduzir tanto consumo quanto avanço populacional

Anne Katrin Purkiss/Rex Features
O biólogo britânico John Sulston no Wellcome Trust Sanger Institute, em Cambridge, no Reino Unido
O biólogo britânico John Sulston no Wellcome Trust Sanger Institute, em Cambridge, no Reino Unido

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

O elefante populacional está de volta à loja de cristais do debate sobre desenvolvimento sustentável.

Um relatório divulgado no fim do mês passado pela Royal Society, principal sociedade científica britânica, recomendou à conferência ambiental Rio+20 que tome medidas para conter a explosão da população do planeta e o consumo excessivo -tanto dos países ricos quanto dos emergentes, como o Brasil.

O porta-voz desse paquiderme é alguém conhecido por seu trabalho com um organismo de 1 milímetro: o biólogo John Sulston, 70.

Um dos líderes do Projeto Genoma Humano, Sir John ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2002 por seus trabalhos com células do minúsculo verme Caenorhabditis elegans.

Nos últimos dois anos, ele se afastou da biologia e se aventurou no território das ciências sociais, chefiando o comitê de especialistas que produziu o relatório "People and the Planet" [As Pessoas e o Planeta, em inglês].

Folha - Levantar a questão populacional num contexto ambiental é sempre delicado, porque os países pobres acham que isso é uma invenção dos ricos para cerceá-los. Por que trazer isso à baila?

John Sulston - Bem, estamos dizendo que a combinação entre população e consumo é importante. E por que agora? Bem, porque os efeitos da população combinados com os do consumo estão ficando mais visíveis.

A mudança climática, por exemplo, hoje é muito clara, coisa que não era há 20 anos, embora os modelos previssem que ela ocorreria.

Nós também temos muita noção da taxa de extinção das espécies, que não tínhamos medido antes. O uso de nitrogênio mundo afora está poluindo estuários e causando algumas dessas extinções, e assim por diante.

E essas tendências vão continuar se nós não fizermos nada. Quando começamos a analisá-las, chegamos a essa resposta de que nós não devemos olhar só para a população, mas tampouco deveríamos considerar apenas o consumo.

Afinal, se tivéssemos apenas um décimo da população, o consumo não importaria tanto, e se tivéssemos um décimo do consumo, a população não importaria tanto.

O sr. tem acompanhado as negociações aqui nos últimos dois dias. Quão descoladas elas estão do mundo real?

Eu acho que as negociações precisam estar sempre um pouco à frente do mundo real, ou seja, da maneira como as coisas estão.

Quais são as suas expectativas para a Rio+20?

Eu gostaria muito que nós tivéssemos algum texto lá que reconhecesse a importância da população e do consumo lado a lado com nossa preocupação direta com o ambiente. Acho que isso dará a pessoas de boa vontade em toda parte uma plataforma para políticas mais sãs.

Mas, se você não mencionar essas coisas, as pessoas podem dizer: "Bem, não estava no acordo, então não precisamos negociar isso".

Vocês dizem no relatório que as economias desenvolvidas e emergentes precisam rever seus padrões de consumo. É a primeira vez que se diz isso tão diretamente, e os emergentes não vão gostar.

Bem, está condensado aqui nas recomendações. O que nós dizemos no relatório é que existe muito espaço para que as economias mais desenvolvidas se desmaterializem. Estamos falando de consumo material. O relatório não diz que existe qualquer razão para as economias ficarem mais pobres.

Fontes de energia, redução de lixo e reciclagem de metais entram aí. E isso significa mais empregos, a propósito. Com as economias emergentes é mais difícil, porque elas são muito heterogêneas.

O Brasil, claro, é uma das mais poderosas, e nós sabemos que existe uma sensibilidade muito grande dos países mais desenvolvidos, que dizem: "Vejam, esses países estão ficando mais ricos".

O que estamos tentando é reconhecer que há um espectro e, à medida que as pessoas atingem uma determinada etapa do desenvolvimento, todo mundo começa a fazer a sua parte.

Nós também enfatizamos a possibilidade de "leapfrogging" ["saltar" diretamente para tecnologias desejáveis], e nisso temos o exemplo brasileiro da produção de etanol de cana. Então, eu acho que seria um insulto se as economias emergentes sugerissem que não têm nada a contribuir. Indústrias verdes como as turbinas eólicas que a China produz são outro exemplo.

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